domingo, 2 de janeiro de 2011

Um ano para sonhar


Um artista de rua, sentado na calçada entre a Ópera e o Palácio Real, cantava, na companhia de seu violão, “Imagine all the people (...)”. Era 31 de dezembro, às 23h30, e milhares de pessoas concentravam-se no centro histórico de Madri para celebrar a virada de mais um ano.

A multidão reunia-se em subgrupos. Só do meu lado tinha dois de brasileiros – um de mochileiros e outro de uma família também de Minas. Muitos na expectativa de experimentar uma das importantes tradições da Espanha: comer doze uvas no ritmo das batidas do relógio da Puerta del Sol. Outros aproveitaram a nochevieja – como é chamada a noite de reveillon aqui – para garantir mais um dia de renda.

Dezenas de chineses forneceram o álcool ao público. Uma estátua-viva, fantasiada de soldado, tentava chamar atenção das pessoas que caminhavam às pressas para conseguir um lugar na Puerta del Sol. Os seguranças revistavam bolsos e jaquetas para garantir a segurança da festa. O cara da pizzaria servia os pedaços como se estivesse apertando botão. A balconista da loja que fica aberta 24 horas nos atendia como se fosse uma noite qualquer.

Enquanto isso, de uma ponta a outra da Puerta del Sol, as pessoas formavam um rio de cabeças. Perucas, chapéus de todas as cores e até gorros de Papai Noel. Eu e o chinês ao meu lado, que abria um sorriso de orelha a orelha a cada minuto que ficava para trás, não tirávamos os olhos dos ponteiros do relógio. Se não fosse assim, não saberíamos o momento da virada. Era tanta gente que não consegui escutar o esperado som das "campanadas", apesar de no dia seguinte um senhor ter me confirmado que assistiu a passagem do ano pela televisão e que elas realmente aconteceram.

Também não vi ninguém comendo uvas. Uma espuma de champagne aqui, outra ali, taças erguidas, copos de cerveja e só uma mulher com um cacho de uva nas mãos. Perguntei para o mesmo senhor sobre o costume e ele me respondeu, com cara de quem queria puxar a minha orelha: “Você também estava no meio de estrangeiros. Todas as famílias espanholas comem as uvas”, disse.

Logo depois da meia-noite, as pessoas começaram a tomar outro rumo. Uns pagaram 120 euros para jantar no Café do Oriente, outros 75 para ir à Joy, boate mais próxima da Puerta del Sol. O homem que trazia a trilha de John Lennon foi o único que permaneceu onde estava. Continuava cantando a mesma música: "You may say i'm a dreamer. But I'm not the only one. I hope some day. You'll join us. And the world will be as one (...)".

Não sei onde seus pensamentos o levavam, mas independentemente das campanadas que nem ele e nem eu ouvimos e das uvas que não comemos, o cantor narrava o que teve de mais significativo na noite que passou. Pessoas de distintas geografias “living for today”, “sharing all the world”.

Uvas e campanadas
O ritual surgiu na capital espanhola, em 1882, quando um grupo de madrileños, impossibilitados de festejarem a nochevieja por um veto do prefeito, decidiu ironizar o costume da burguesia que tomava uvas e champagne em suas casas. Eles transferirem o ritual para a Puerta del Sol e o fizeram ao som do relógio, em vez de o conforto de quatro paredes.

Com a repercussão da mídia, que publicou artigos intitulados “As uvas milagrosas”, o costume foi disseminado para outras cidades da Espanha e países, ganhando adeptos do mundo inteiro. Em 1909, agricultores de Murcia e Alicante, querendo dar saída ao excedente de uva, deram o impulso definitivo para a popularização do ritual, consolidando a tradição.

Antigamente, a Puerta del Sol ficava cheia de soldados que não tinham permissão para ir à casa festejar. Hoje, é ocupada por turistas, imigrantes e madrileños que, no lugar de fardas, dão outro visual à passagem de ano.

10 comentários:

Ariadne Lima disse...

Dona Embarazada, com uvas milagrosas ou não, tenho certeza de que seu ano será maravilhoso. Só porque você merece! Um beijo, cuide-se aí! :)

Carol Jardim disse...

Dona "Jornalisticamente Incorreta", você que merece as melhores coisas do mundo. Bjos e cuide-se também!

Mamae e Papai disse...

Um 2011 cheio de muita luz, prosperidade, desejos, realizacoes, amigos perto (mesmo longe), descobertas, vontades, novidades, doçuras, belezuras e presença, muita presença! Amamos voce filha! Beijos Bá e Ti

Luciana Gimenes disse...

FELIZ 2011, Ebaaaaaaaaaaaaa que deus ilumine vc sempre...
Mil alegrias e conquistas muito amor.
Estou nos preparativos finais super ansiosa,rsrs...bjbjbj

Clarice de Pinho disse...

Uhuuuul! Um Feliz 2011 madrilenho!!!

Carol Jardim disse...

Pai e mãe, obrigada pelos votos tão lindos. Desejo o mesmo para vocês, em dobro. Amo!!!

Carol Jardim disse...

Para você também, Clá!!!! Um bjão e um ótimo ano novo!

Carol Jardim disse...

Ei Lu, 2011 promete. Quando você chega? Estou te esperando em Madri...bjão

Unknown disse...

Não sabia dessa tradição, Carolzita!Mais interessante ainda é saber que, no final das contas, nas ruas, a tradição não é de fato seguida! Amei a sutileza de todos os detalhes e imaginei a cada um dos "personagens": a garçonete, o chinesinho, vc observando tudo, e, principalmente o cantor solitário que desejava , em suas canções, votos de esperança! Que o seu ano novo seja essencialmente lindo como vc! TE AMO!

Carol Jardim disse...

São personagens como esses que dão cor aos fatos. Que seu ano seja iluminado, Pepe. Bjos saudosos.