quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Outono sem moldura


Aqui no Hemisfério Norte, presenciamos um dos fenômenos mais lindos da natureza: o amarelar das folhas das árvores, que indica a passagem das estações. Estamos no outono e faltam 13 dias para a chegada do inverno. É hora de sair para a rua e ver as folhas que ainda restam nas árvores e as que já formam um manto seco sobre o chão.

Esse cenário me leva à casa de campo dos meus avós, em Conselheiro Lafaiete. De lá, também observávamos a mudança das estações. Lembro-me quando meu avô Celso, há muitos e muitos anos, me chamou até a janela da sala de jantar e comentou que naquela hora estávamos passando pelo solstício de verão, o dia mais longo do ano. Era 21 de dezembro e ele me contava aquilo tudo com muita sabedoria, com um humor discreto e inteligente de um engenheiro que não entende só de números, mas de muitas outras coisas importantes da vida.

Se ele estivesse em Madri, saberia dizer a posição do sol, o grau de incidência dos raios, a latitude da capital e não perderia tempo: faria uma caminhada no Parque do Retiro, um dos melhores lugares para se observar os efeitos do outono. Voltaria cheio de novidades para tornar o chá da tarde das tias mais interessante, para fazer um charme para a minha avó que admira sua inquestionável memória sobre os principais acontecimentos do mundo e para transmitir as notícias do dia a seus filhos e netos.

Ele arrumaria um jeito de bater um papo com o dono da barraca que vende as melhores guloseimas do Parque e perguntaria sobre a história do local. Absorveria todas as informações com o máximo de detalhes, datas, nomes, causas, consequências e curiosidades.
E assim começaria o intercâmbio de conhecimento: você sabe, Carolina, que os jardins foram criados entre 1630 e 1640, quando o Conde-duque de Olivares, vassalo do rei Filipe IV, ofereceu ao monarca alguns terrenos para o lazer da corte? Continuaria...

O Parque possui uma área de 118 hectares e foi concebido pelo cenógrafo italiano Cosme Lotti. Somente tempos depois que foi permitido aos cidadãos ter acesso ao complexo, com uma condição: desde que estivessem bem vestidos e lavados. Informações sobre guerra é com ele mesmo. Então, meu avô complementaria: durante a invasão francesa, em 1808, o espaço foi utilizado como quartel das tropas de Napoleão e ficou parcialmente destruído. Depois da Guerra Peninsular, iniciou-se sua reconstrução.

O Parque possui as fontes das Galápagos, da Alcachofra e do Anjo Caído, além dos palácios de Cristal e Velázquez. O Passeio das Estátuas é uma alameda formada por uma série de esculturas dedicadas a todos os monarcas espanhóis. As obras foram confeccionadas para decorar o Palácio Real. Contudo, nunca chegaram a ornamentar a residência oficial do rei, “devido a um pesadelo da rainha que sonhou que as estátuas caíam sobre ela”, contaria meu avô, em tom de brincadeira.

Depois de saber até dos bastidores da construção e da vida no Parque, ele iria tirar algumas fotos, me mandaria por e-mail e as descreveria de forma poética, com observações parecidas com as que ele me disse outro dia no telefone, me contando que em frente a sua casa o céu estava azul, o dia quente e com mangas nas árvores, contrapondo ao céu cinza de Madri e à falta de frutas pela cidade.

Ele passearia pelo Parque do Retiro de mãos dadas com a minha avó, como se estivessem em um quadro impressionista sem moldura. Se perderiam nas pinceladas de Renoir ou de Monet, que produziam suas obras ao ar livre para captar melhor a variação das cores da natureza e também cenas do cotidiano, como a cumplicidade de um casal de senhores vista em uma tarde de outono.





13 comentários:

Unknown disse...

que lindooo Carol!! O vovô faria exatamente isso tudo! Por esses e outros motivos que eu, você e concerteza o Thiago nos orgulhamos tanto do Seu Celso, do seu conhecimento incauculável e da sua eterna vontade de aprender! Beijinhos, Amanda

Unknown disse...

Obs: Essa sua foto esta MARAVILHOSAAA!

Ariadne Lima disse...

E a quem será mesmo que essa Carolzinha tão doce e filosófica puxou??? :)

Anônimo disse...

O meu vo é cabuloso mesmo... hahaha... entao ele sabe tais detalhes de madrid tb, achei q era soh de Chicago ou de Taiwan depois que arrumei uma namorada de lah... bom... o que tenho a dizer depois de ler é que teus sentidos estão bem aguçados... arte. Gostei de ver os comentarios da mandinha, eu jamais os faria em sua idade... mas num vai se achano naum viu mandinha... Thiago

Osmar Fraga disse...

Que doce maravilha de texto!
Parabéns, Carol! :*

Carol Jardim disse...

Nossos avós são demais mesmo. Referência em nossas vidas. Não tem como não lembrar deles estando aqui, vendo e vivendo Madri.

Carol Jardim disse...

Ei Osmar, quando li "doce" no seu comentário, lembrei-me do Doce novembro. Você lembra que me indicou o filme há muito tempo? Bjos

Unknown disse...

Thiago, é claroooooo que vocÊ não faria esses comentários na minha idade!! Vai aprendendo comigo que ainda da tempo!! hahahaha, beijinhos

Zoi di Gato disse...

Beleza de mistura, aproximando Madri, outono e vô Celso!

Mary disse...

Estou sempre no seu blog e adorando seus textos. Enquanto leio, me imagino lá e vou entrando nas paisagens...
Estou muito orgulhosa de ter conhecido você e vê-la agora numa gestação tão tão bonita e produtiva. Beijos e que Deus siga te iluminando.

Carol Jardim disse...

Mary, que emoção ver você por aqui, mãe de uma das pessoas mais importantes da minha vida. Dá um beijo enorme na Lulu, Marina e Ronaldo. Muito, muito carinho por todos vocês!!!

Unknown disse...

Linda demais...lindo o texto!Então eu acho que vc e Thiago têm a quem puxar nessa coisa de observar os detalhes, a beleza dos pequenas-grandes fatos do dia a dia! E que gracinha ver encantamento na sua vovó diante dos conhecimentos sem fim do vovô..Qual vovô é esse::o que fez a mesa:!:pai do seu pai::eu sempre confundo..Me chame um dia para ouvir essas histórias com todos os detalhes e graça!Ter vô e vó na vida, sinceramente, é uma das coisas que tenho mais apreço, saudade! A saudade é alegre, daquelas que me faz sim emocionar, mas enche meu peito de muita alegria e boas lembranças! Qto as tardes de outono, tive essa mesma experiência de mudanças de cores, de folhas caindo, do amarelo tomando conta, no Canadá! É realmente muito lindo! O inverno aí está como:: No Canadá o céu era muito azul, sem uma nuvem, um sol brilhante até e aquele frio de -20 graus! Sem preço tudo isso! beijos

Carol Jardim disse...

Ei Pepe, esse avô é o pai da minha mãe. Realmente ter avós é a melhor coisa do mundo. E aqui, que a população idosa é massiva, me faz sentir mais saudade ainda deles. Sempre vejo uma vovó linda e perfumada pela rua e dá vontade de perguntar se ela não quer ser a minha avó temporária. O outono aqui é lindo, do Canadá então, deve ser maravilhoso. Você ainda vai ouvir muitas histórias. Assim que eu chegar, vamos combinar uma ida ao sítio...Bjos querida