segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O futebol é nosso


“Buenas noches. Bienvienidos al Santiago Bernabeu, al juego de Real Madrid y Sevilla”. Foi assim que o locutor do estádio deu as boas-vindas às mais de 40 mil pessoas que foram assistir ao 16° jogo do campeonato espanhol, no domingo passado, 19 de dezembro. Os ponteiros do relógio marcaram 21h e a voz do locutor foi substituída por um timbre clássico. As várias caixas de som do estádio eram tão potentes que se podia escutar de longe o hino do Real Madrid, interpretado pelo cantor José Aguilar. Talvez, quem estivesse passando pelas redondezas pensaria que se tratava de um concerto e não de um jogo de futebol.

Os atletas entraram para o campo no compasso da música de abertura do jogo. Enquanto ocupavam o gramado, a torcida aplaudia os jogadores e um vídeo foi exibido no telão com imagens das principais jogadas de craques como Zidane e Ronaldo. A mesma voz que deu as boas-vindas anunciou a escalada dos times.

A partida começou fria, sem grandes emoções. E foi assim até o final, mesmo com um gol do Di Maria, do Real Madrid. Fria também era a torcida que só se manifestou nos primeiros cinco minutos com uma falta marcada pelo juiz. Escutavam-se assovios, murmúrios. Algumas vezes, ouvia-se hijo de la puta. Só na hora da bola na rede que 50% do estádio assumiu o coro, acompanhando a tímida torcida do Real Madrid. De pé, cantaram: “Puta Sevilla, puta Sevilla...”. Logo depois: “Hala, Madrid, hala, Madrid”. Ninguém se abraçou ou deu as mãos para comemorar o gol. Repetiram as músicas umas quatro vezes e se calaram. Voltaram-se os murmúrios e assovios.

Quem mais vibrava no campo era um menininho espanhol que estava atrás de mim. Com cachecol e gorro do Real Madrid, o garoto de mais ou menos 7 anos comentava todas as jogadas e tentava entusiasmar o time: “Vamo, vamo, vamo...”. Enquanto isso, outro homem, ao meu lado, parecia não gostar do desempenho da equipe. Apesar de não entender o que ele falava (dizia um monte de coisas emboladas e aos berros, era daqueles que acha que os jogadores escutam tudo o que diz), fazia caras de insatisfação e gestos feios com as mãos.

As diferenças entre assistir um jogo no Bernabéu e no Mineirão (vou me ater ao estádio de Minas, que é o que eu frequento desde criança) são percebidas logo no trajeto. O metrô – transporte público mais usado para ir ao campo, tanto pelos turistas, como pelos madrilenhos – estava bem mais cheio que o habitual. Sabia-se que tinha um evento pelas camisas do Real Madrid que desfilavam na estação, mas não pelo comportamento dos torcedores. Eles não manifestavam a agitação pré-jogo como se vê no Brasil que começa desde a saída de casa, o esquenta nos bares e é acompanhada por cantorias e buzinaço pela cidade.

As principais ruas de acesso ao estádio estavam movimentadas. Mas, não havia empurra-empurra, filas, gente correndo de um lado a outro, som alto no carro, churrasquinho, grupos de torcedores cada um puxando uma música diferente do time e pessoas desconhecidas se abraçando. Tampouco sujeira no chão, confusão e brigas. Com muita tranquilidade, o público passava pelos vários portões do estágio como se estivesse em um teatro. Não é à toa que a arquibancada e a geral do Bernabéu recebem o nome de anfiteatros. Tem assento marcado e todo mundo respeita o seu.

Entrei no estádio faltando meia hora para começar o jogo e ainda estava vazio. Sem bandeirão e bandeirinha. Sem fumaça e fogo. Sem torcida esquentando a garganta. Um complexo de cair o queixo. Com holofotes em todos os cantos. Arrepiei-me várias vezes por estar ali, no estádio do Real Madrid e ouvindo a música da Copa do Mundo que tocou antes do jogo e na hora do intervalo. Tudo novo, tecnologia de ponta, em perfeita ordem. Mas sem calor de gente – aquilo que as pessoas dizem que os brasileiros têm, sabe como é?

Minutos foram suficientes para que as quase 40 mil pessoas assumissem seus postos no estádio. No Mineirão, isso jamais seria possível. Os torcedores ficariam agarrados nos portões. É por isso que uma ida ao estádio de Minas – acredito que em muitos do Brasil também ocorre o mesmo – tem que ser muito bem planejada. Leva horas. Já temos que sair de casa pensando na fila, no trânsito, na rota do time adversário, no ônibus que pode parar devido à confusão dos torcedores que vão batucando e cantando por todo o trajeto ou quebrando tudo que vê pela frente quando os ânimos se alteram ou quando um cruzeirense esbarra com um atleticano.

Apesar da paixão do brasileiro pelo futebol, é muito difícil um jogo de início de campeonato encher um estádio como foi o de ontem. O Bernabéu estava cheio, mesmo depois de o Real Madrid ter tomado de cinco do Barcelona. Mas não se sentia o fenômeno de massa visto em um jogo no Brasil. A metade de brasileiros em um campo de futebol é capaz de fazer mais barulho que as milhares de pessoas que marcaram presença neste domingo. A bagunça também é desproporcional. Vinte mil brasileiros fazem uma zona inimaginável para 40 mil espanhóis.

No estádio a organização é impecável. A segurança, nem se fala. Onde não tem violência não precisa ter pastor-alemão no meio do campo. Vi poucos policiais e eles passavam quase despercebidos. Não deixam pistolas e cassetetes à vista, e nem tem por quê. Intimidar torcedores civilizados não faz sentido. Se misturavam com os outros funcionários do estádio, vestidos com coletes verdes, bem verdes, para mostrar que estão ali à sua disposição. Eles tiram suas dúvidas e te ajudam a se localizar em um espaço que comporta 80 mil espectadores.

Para ir assistir ao Real Madrid no Bernabéu tem que estar disposto a gastar. Muitos apaixonados pelo futebol não tem condições de ir ao jogo, ainda mais em tempos de crise – só em Madri, mais de 16% da população está desempregada. Para uma partida com o Sevilla, 11º colocado no campeonato, os ingressos variaram entre 65 a 120 euros. A comida também é cara. O tropeiro dos espanhóis é um bocadillo de tortilla (pão com recheio de ovo e batata) que custa 4,5 euros, quase dez reais.

Paguei a entrada mais barata, o que me permitiu sentar no alto do estádio. No alto mesmo, muito mais do que no Morumbi. Via apenas pontinhos no campo, quase não identifiquei os jogadores – tudo bem que não sei qual a cor da chuteira do Luis Fabiano e nem o tamanho do topete do Cristiano Ronaldo.

A distância entre meu assento e o campo fez a dinâmica do jogo parecer mais lenta, definida muito bem pelo meu irmão: "É a mesma impressão de quando se vê um carro passando bem longe em uma estrada e parece estar devagar, enquanto um carro mais próximo, na mesma velocidade, parece se deslocar mais rapidamente", disse. Tudo isso contribuiu para que o jogo não fosse tão vibrante. Nas palavras de uma amiga venezuelana, um pouco aburrido (chato).

Para mim, longe de ser chato. Estava na minha lista de coisas que não podia deixar de fazer em Madri e valeu a pena. Hoje, no entanto, me atrevo a dizer, pedindo licença aos campeões do mundo e que dão exemplo de organização, que o Brasil é realmente muito mais que futebol. Mas futebol é Brasil.  



6 comentários:

Anônimo disse...

Belissimo texto, assim como os outros, quase todos o dias acesso o seu blog a espera de novas "reportagens" sobre Madri, tem se tornado a minha leitura predileta kkkk. Aliás você samba?? bjos. JP

Carol Jardim disse...

Geography, que privilégio saber que você espera novas reportagens. rs...Sobre a pergunta do samba, eu sei sim. E você, gosta de futebol? rs

Clarice de Pinho disse...

Amo! Futebol, samba, Brasil e seus textos!!!

Continuo acompanhando seu embarazo, Carol! Bjos

ZDG disse...

Nossa enviada esécial cobre todas as áreas!!!

Carol Jardim disse...

Assino embaixo, Clá. Brasil, samba, futebol e amigos: que saudade dessa mistura.

Carol Jardim disse...

Assistir ao Real Madrid é uma das prioridades de mutos brasileiros que moram aqui, Zoi di Gato. Não tem como não comparar o nosso ritual futebolístico e o praticado pelos espanhóis. Temos que aprender, um com o outro. Experiência preciosa!