segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O melhor presente


Desde que Madri foi vestida com quatro milhões de luzes ainda no início de dezembro que eu vinha buscando outro sentido para o natal, já que este ano estaria longe de casa e a energia é, sem dúvida, diferente.

Bolas de cristal, arranjos de flor e serpentinas, uma árvore de 30 metros na Puerta del Sol, um mercado com artefatos natalinos na Plaza Mayor e nada me convencia.

Até encontrar – desviando de um monte de sombrinhas de turistas no centro histórico da cidade – o que melhor simbolizaria o espírito de natal nessa minha jornada que hoje completa dois meses e meio.

O brilho da cidade vinha dos olhos de uma menina. Encantada com a bolha de sabão feita por um pedinte de rua, ela olhava tudo aquilo como se estivesse abrindo o embrulho mais bonito.

Sua mãe lhe deu uma moeda, ela colocou na caixinha do senhor e foi dividir a alegria com outras crianças no carrossel. Ela sorria.

Para o próximo ano e todos os outros que virão, desejo a você - leitor, amigo, pessoa querida - o melhor presente.





Navidad

Aqui, o natal também começa com a confraternização do dia 24, chamada de Nochebuena, só que se estende até o dia dos Reis Magos, em 6 de janeiro. As crianças assistem à cavalgada dos reis e, à noite, abrem os presentes.

Este ano, a abertura do Natal foi celebrada na Puerta del Sol, no dia 17 de dezembro, com a leitura de um conto premiado em um concurso infantil das escolas de Madri. Logo depois, anjos dançaram entre o céu e a terra em um espetáculo de imagens, canto e efeitos de luz.

A iluminação da cidade foi idealizada por alguns dos principais modistas, arquitetos e desenhistas espanhóis, que se preocuparam, além da estética, com a sustentabilidade do show de luzes. As lâmpadas, de baixo consumo, permitiram reduzir pela metade as emissões de dióxido de carbono em comparação com o ano passado.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O futebol é nosso


“Buenas noches. Bienvienidos al Santiago Bernabeu, al juego de Real Madrid y Sevilla”. Foi assim que o locutor do estádio deu as boas-vindas às mais de 40 mil pessoas que foram assistir ao 16° jogo do campeonato espanhol, no domingo passado, 19 de dezembro. Os ponteiros do relógio marcaram 21h e a voz do locutor foi substituída por um timbre clássico. As várias caixas de som do estádio eram tão potentes que se podia escutar de longe o hino do Real Madrid, interpretado pelo cantor José Aguilar. Talvez, quem estivesse passando pelas redondezas pensaria que se tratava de um concerto e não de um jogo de futebol.

Os atletas entraram para o campo no compasso da música de abertura do jogo. Enquanto ocupavam o gramado, a torcida aplaudia os jogadores e um vídeo foi exibido no telão com imagens das principais jogadas de craques como Zidane e Ronaldo. A mesma voz que deu as boas-vindas anunciou a escalada dos times.

A partida começou fria, sem grandes emoções. E foi assim até o final, mesmo com um gol do Di Maria, do Real Madrid. Fria também era a torcida que só se manifestou nos primeiros cinco minutos com uma falta marcada pelo juiz. Escutavam-se assovios, murmúrios. Algumas vezes, ouvia-se hijo de la puta. Só na hora da bola na rede que 50% do estádio assumiu o coro, acompanhando a tímida torcida do Real Madrid. De pé, cantaram: “Puta Sevilla, puta Sevilla...”. Logo depois: “Hala, Madrid, hala, Madrid”. Ninguém se abraçou ou deu as mãos para comemorar o gol. Repetiram as músicas umas quatro vezes e se calaram. Voltaram-se os murmúrios e assovios.

Quem mais vibrava no campo era um menininho espanhol que estava atrás de mim. Com cachecol e gorro do Real Madrid, o garoto de mais ou menos 7 anos comentava todas as jogadas e tentava entusiasmar o time: “Vamo, vamo, vamo...”. Enquanto isso, outro homem, ao meu lado, parecia não gostar do desempenho da equipe. Apesar de não entender o que ele falava (dizia um monte de coisas emboladas e aos berros, era daqueles que acha que os jogadores escutam tudo o que diz), fazia caras de insatisfação e gestos feios com as mãos.

As diferenças entre assistir um jogo no Bernabéu e no Mineirão (vou me ater ao estádio de Minas, que é o que eu frequento desde criança) são percebidas logo no trajeto. O metrô – transporte público mais usado para ir ao campo, tanto pelos turistas, como pelos madrilenhos – estava bem mais cheio que o habitual. Sabia-se que tinha um evento pelas camisas do Real Madrid que desfilavam na estação, mas não pelo comportamento dos torcedores. Eles não manifestavam a agitação pré-jogo como se vê no Brasil que começa desde a saída de casa, o esquenta nos bares e é acompanhada por cantorias e buzinaço pela cidade.

As principais ruas de acesso ao estádio estavam movimentadas. Mas, não havia empurra-empurra, filas, gente correndo de um lado a outro, som alto no carro, churrasquinho, grupos de torcedores cada um puxando uma música diferente do time e pessoas desconhecidas se abraçando. Tampouco sujeira no chão, confusão e brigas. Com muita tranquilidade, o público passava pelos vários portões do estágio como se estivesse em um teatro. Não é à toa que a arquibancada e a geral do Bernabéu recebem o nome de anfiteatros. Tem assento marcado e todo mundo respeita o seu.

Entrei no estádio faltando meia hora para começar o jogo e ainda estava vazio. Sem bandeirão e bandeirinha. Sem fumaça e fogo. Sem torcida esquentando a garganta. Um complexo de cair o queixo. Com holofotes em todos os cantos. Arrepiei-me várias vezes por estar ali, no estádio do Real Madrid e ouvindo a música da Copa do Mundo que tocou antes do jogo e na hora do intervalo. Tudo novo, tecnologia de ponta, em perfeita ordem. Mas sem calor de gente – aquilo que as pessoas dizem que os brasileiros têm, sabe como é?

Minutos foram suficientes para que as quase 40 mil pessoas assumissem seus postos no estádio. No Mineirão, isso jamais seria possível. Os torcedores ficariam agarrados nos portões. É por isso que uma ida ao estádio de Minas – acredito que em muitos do Brasil também ocorre o mesmo – tem que ser muito bem planejada. Leva horas. Já temos que sair de casa pensando na fila, no trânsito, na rota do time adversário, no ônibus que pode parar devido à confusão dos torcedores que vão batucando e cantando por todo o trajeto ou quebrando tudo que vê pela frente quando os ânimos se alteram ou quando um cruzeirense esbarra com um atleticano.

Apesar da paixão do brasileiro pelo futebol, é muito difícil um jogo de início de campeonato encher um estádio como foi o de ontem. O Bernabéu estava cheio, mesmo depois de o Real Madrid ter tomado de cinco do Barcelona. Mas não se sentia o fenômeno de massa visto em um jogo no Brasil. A metade de brasileiros em um campo de futebol é capaz de fazer mais barulho que as milhares de pessoas que marcaram presença neste domingo. A bagunça também é desproporcional. Vinte mil brasileiros fazem uma zona inimaginável para 40 mil espanhóis.

No estádio a organização é impecável. A segurança, nem se fala. Onde não tem violência não precisa ter pastor-alemão no meio do campo. Vi poucos policiais e eles passavam quase despercebidos. Não deixam pistolas e cassetetes à vista, e nem tem por quê. Intimidar torcedores civilizados não faz sentido. Se misturavam com os outros funcionários do estádio, vestidos com coletes verdes, bem verdes, para mostrar que estão ali à sua disposição. Eles tiram suas dúvidas e te ajudam a se localizar em um espaço que comporta 80 mil espectadores.

Para ir assistir ao Real Madrid no Bernabéu tem que estar disposto a gastar. Muitos apaixonados pelo futebol não tem condições de ir ao jogo, ainda mais em tempos de crise – só em Madri, mais de 16% da população está desempregada. Para uma partida com o Sevilla, 11º colocado no campeonato, os ingressos variaram entre 65 a 120 euros. A comida também é cara. O tropeiro dos espanhóis é um bocadillo de tortilla (pão com recheio de ovo e batata) que custa 4,5 euros, quase dez reais.

Paguei a entrada mais barata, o que me permitiu sentar no alto do estádio. No alto mesmo, muito mais do que no Morumbi. Via apenas pontinhos no campo, quase não identifiquei os jogadores – tudo bem que não sei qual a cor da chuteira do Luis Fabiano e nem o tamanho do topete do Cristiano Ronaldo.

A distância entre meu assento e o campo fez a dinâmica do jogo parecer mais lenta, definida muito bem pelo meu irmão: "É a mesma impressão de quando se vê um carro passando bem longe em uma estrada e parece estar devagar, enquanto um carro mais próximo, na mesma velocidade, parece se deslocar mais rapidamente", disse. Tudo isso contribuiu para que o jogo não fosse tão vibrante. Nas palavras de uma amiga venezuelana, um pouco aburrido (chato).

Para mim, longe de ser chato. Estava na minha lista de coisas que não podia deixar de fazer em Madri e valeu a pena. Hoje, no entanto, me atrevo a dizer, pedindo licença aos campeões do mundo e que dão exemplo de organização, que o Brasil é realmente muito mais que futebol. Mas futebol é Brasil.  



terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Aliança Brasil-Espanha

A relação entre Brasil e Espanha é histórica. Os laços que nos unem vêm de muito tempo, são séculos de convivência. Os espanhóis constituem uma das expressivas comunidades de imigrantes no Brasil. E muitos brasileiros trocam o gigante da América do Sul e a oitava economia do mundo para ganhar a vida em uma nação que já prosperou, mas que hoje enfrenta os efeitos da crise econômica que assola também outros países europeus.

Uma das importantes figuras para promover a cooperação entre os dois países é o nosso embaixador na Espanha, Paulo César de Oliveira Campos. Fui até ele para saber mais sobre os principais marcos dessa relação e o que esperar do governo Dilma.


Como o senhor avalia a relação entre Brasil e Espanha no governo Lula, já que tivemos um presidente com presença internacional marcante, de cooperação e alianças? Quais foram os principais êxitos e desafios nos âmbitos político, cultural e econômico?
No Governo do Presidente Lula as relações ganharam mais impulso. Foi, por exemplo, nos últimos oito anos que Brasil e Espanha criaram o formato de Parceria Estratégica, em uma relação que vinha crescendo desde o início da década de 90 com a redemocratização dos dois países, com a intensificação das trocas comerciais e do fluxo de investimentos. A Parceria é um dos mais importantes marcos bilaterais. Com ela tratamos temas como educação, intercâmbio, cultura, ciência, tecnologia, comércio, investimentos, apoio ao desenvolvimento e combate à fome. As relações entre nossos países é muito vibrante, contamos com a participação ativa de entidades sociais e de setores empresariais. Os investimentos e o comércio vêm crescendo ano a ano e esperamos que ganhem mais fôlego com o fim da crise financeira internacional. As afinidades culturais e a simpatia natural facilitam as trocas culturais. Temos registrado uma oferta crescente de cinema e música brasileira ao público espanhol. Fico feliz em dizer que a cultura brasileira é muito apreciada na Espanha.

Quais são as expectativas com a posse da Dilma? Haverá alguma mudança?
O Brasil tem uma política externa com linhas de ação tradicionais e bem definidas, que sempre buscaram o desenvolvimento do país e a melhoria das condições de vida dos brasileiros. Tenho convicção de que não será diferente no Governo da Dilma. E, nesse contexto, a Espanha continuará exercendo um papel de destaque, antes de qualquer outro motivo, pelo próprio peso econômico que Espanha e Brasil têm na geração de riqueza tanto de um, como de outro.

Como o senhor qualifica as relações comerciais entre Brasil e União Européia, sobretudo com a Espanha?
O comércio vem crescendo. E tem espaço para crescer ainda mais. Mas para isso, há questões que devem ser enfrentadas, especialmente pela União Européia. O Brasil defende o livre mercado, que achamos que é o caminho mais curto para o desenvolvimento e a distribuição de riquezas. Mas ainda existem muitos subsídios por aqui, que subvencionam tanto a produção quanto a exportação, especialmente de produtos agrícolas. Há também quotas que limitam as vendas brasileiras. Esperamos que esses entraves ao comércio desapareçam gradualmente. No momento, estão em andamento negociações de um acordo de livre comércio Mercosul-União Européia. Esperamos que sejam concluídas em breve e que tenham impacto positivo no comércio entre as duas regiões.

Espera-se algum investimento Espanha-Brasil com as obras da Copa e das Olimpíadas? Ou em outros setores, já que o Brasil é considerado um país forte, seguro e atrativo?
As empresas espanholas certamente estarão entre os investidores em obras relacionadas à Copa e às Olimpíadas. Têm muita experiência em campos-chave, como hotelaria, alimentação, transporte e organização de eventos. Cadeias espanholas de hotéis estão presentes no Brasil há vários anos e já estão investindo pensando no maior fluxo de turistas com esses eventos. O capital espanhol também deve fazer parte da concorrência pela construção do trem-bala entre o Rio e São Paulo. O Brasil espera contar com a experiência da Espanha na organização das Olimpíadas, para trazer um pouco para o Rio o belíssimo espetáculo que foi montado em Barcelona em 1992. Além disso, várias empresas espanholas têm participado do programa Minha casa, Minha vida, por exemplo.

Quais são as medidas que vem sendo tomadas pelas autoridades espanholas e brasileiras para conter o tráfico de mulheres e homens vindos do Brasil para se prostituírem?
O grande problema é a exploração do ser humano, a ameaça, a coação, a violência, o tráfico de pessoas. Os cidadãos que escolhem o caminho da prostituição muitas vezes não têm informação das redes criminosas que estão se envolvendo, que atuam também no tráfico de drogas e armas e com lavagem de dinheiro. Isso tem sido combatido pela cooperação policial e apoio da Interpol. Além disso, o Governo brasileiro, por meio da Secretaria de Política para as Mulheres, vem fazendo um trabalho de orientação e acolhimento de cidadãos prostituídos aqui na Espanha e no município de origem dessas pessoas. Essa atuação é em parceria com as autoridades espanholas.


Qual a opinião do senhor em relação às barreiras que os brasileiros enfrentaram nos últimos anos ao passar pela imigração espanhola?
Em primeiro lugar, acho que deve haver regras claras. Para que a Europa tenha critérios claros para entrada de estrangeiros é necessário maior coordenação entre os diversos estados que compõem a UE, que muitas vezes tem requisitos que conflitam entre si. Todos os países são soberanos e têm o direito de dizer quem entra e quem não entra em seu território. Espanha e Brasil não são diferentes. O que almejamos é, para além das regras claras, que haja condições dignas de tratamento em caso de inadmissão. Mantemos diálogo próximo com as autoridades espanholas e já houve avanços nessa área, tanto que o assunto há mais de ano não tem sido tratado na imprensa brasileira.



Este ano o Brasil sediou a reunião da Aliança das Civilizações. Qual a importância da realização desse fórum no Brasil? Por que o nosso país foi escolhido?
O Brasil apoiou desde o início a iniciativa da Espanha e da Turquia de lançar a Aliança das Civilizações. Acreditamos que os povos e os governos devem fazer sua parte no combate ao extremismo e ao sectarismo. E o Brasil tem muito a dizer a esse respeito. Desde a nossa fundação, somos um país em que convivem muitas culturas e religiões, sem que haja violência em razão disso. 


Como o intercâmbio entre os dois países é estimulado?
Esse é o papel das Embaixadas, seja a do Brasil na Espanha, seja a da Espanha no Brasil: estimular todos os níveis de trocas e intercâmbios, facilitando e incentivando entidades e indivíduos a se conhecerem, a trocarem experiências, a proporem empreendimentos conjuntos. Mas, o maior estímulo decorre da simpatia natural que nutrem espanhóis e brasileiros. Este é o maior acervo que dispomos e que é o estímulo natural do intercâmbio entre nossos povos.


E a cooperação para o desenvolvimento científico e tecnológico?
A Espanha e o Brasil têm nível de desenvolvimento científico semelhante, o que é um celeiro de oportunidades. Assinamos em 2008 um acordo de cooperação que elegeu as áreas em que os dois países têm excelência tecnológica e podem avançar juntos. São áreas bem diversas, como biocombustíveis, nanotecnologia, fármacos ou tecnologia aeroespacial. O diferencial foi que colocarmos as instituições lado a lado, para que houvesse contato direto entre pesquisadores.


De todos os países que exerceu a diplomacia, o senhor percebe alguma particularidade de trabalhar na relação Brasil-Espanha?
Pelo fato de termos afinidade cultural acho que tudo fica mais fácil. Entendemos os espanhóis e eles nos entendem, sem dificuldades. Nossa história recente é muito parecida. A ditadura, a redemocratização, a defesa e a consolidação da democracia. Por isso acredito que a Parceria Estratégica que colocamos no papel já é há muito tempo realidade na vida das pessoas. Fico feliz em ver o crescimento das iniciativas conjuntas, não só no campo dos negócios, mas também na cultura, na ciência, nos esportes. Só temos a ganhar em nos conhecermos cada vez mais.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Outono sem moldura


Aqui no Hemisfério Norte, presenciamos um dos fenômenos mais lindos da natureza: o amarelar das folhas das árvores, que indica a passagem das estações. Estamos no outono e faltam 13 dias para a chegada do inverno. É hora de sair para a rua e ver as folhas que ainda restam nas árvores e as que já formam um manto seco sobre o chão.

Esse cenário me leva à casa de campo dos meus avós, em Conselheiro Lafaiete. De lá, também observávamos a mudança das estações. Lembro-me quando meu avô Celso, há muitos e muitos anos, me chamou até a janela da sala de jantar e comentou que naquela hora estávamos passando pelo solstício de verão, o dia mais longo do ano. Era 21 de dezembro e ele me contava aquilo tudo com muita sabedoria, com um humor discreto e inteligente de um engenheiro que não entende só de números, mas de muitas outras coisas importantes da vida.

Se ele estivesse em Madri, saberia dizer a posição do sol, o grau de incidência dos raios, a latitude da capital e não perderia tempo: faria uma caminhada no Parque do Retiro, um dos melhores lugares para se observar os efeitos do outono. Voltaria cheio de novidades para tornar o chá da tarde das tias mais interessante, para fazer um charme para a minha avó que admira sua inquestionável memória sobre os principais acontecimentos do mundo e para transmitir as notícias do dia a seus filhos e netos.

Ele arrumaria um jeito de bater um papo com o dono da barraca que vende as melhores guloseimas do Parque e perguntaria sobre a história do local. Absorveria todas as informações com o máximo de detalhes, datas, nomes, causas, consequências e curiosidades.
E assim começaria o intercâmbio de conhecimento: você sabe, Carolina, que os jardins foram criados entre 1630 e 1640, quando o Conde-duque de Olivares, vassalo do rei Filipe IV, ofereceu ao monarca alguns terrenos para o lazer da corte? Continuaria...

O Parque possui uma área de 118 hectares e foi concebido pelo cenógrafo italiano Cosme Lotti. Somente tempos depois que foi permitido aos cidadãos ter acesso ao complexo, com uma condição: desde que estivessem bem vestidos e lavados. Informações sobre guerra é com ele mesmo. Então, meu avô complementaria: durante a invasão francesa, em 1808, o espaço foi utilizado como quartel das tropas de Napoleão e ficou parcialmente destruído. Depois da Guerra Peninsular, iniciou-se sua reconstrução.

O Parque possui as fontes das Galápagos, da Alcachofra e do Anjo Caído, além dos palácios de Cristal e Velázquez. O Passeio das Estátuas é uma alameda formada por uma série de esculturas dedicadas a todos os monarcas espanhóis. As obras foram confeccionadas para decorar o Palácio Real. Contudo, nunca chegaram a ornamentar a residência oficial do rei, “devido a um pesadelo da rainha que sonhou que as estátuas caíam sobre ela”, contaria meu avô, em tom de brincadeira.

Depois de saber até dos bastidores da construção e da vida no Parque, ele iria tirar algumas fotos, me mandaria por e-mail e as descreveria de forma poética, com observações parecidas com as que ele me disse outro dia no telefone, me contando que em frente a sua casa o céu estava azul, o dia quente e com mangas nas árvores, contrapondo ao céu cinza de Madri e à falta de frutas pela cidade.

Ele passearia pelo Parque do Retiro de mãos dadas com a minha avó, como se estivessem em um quadro impressionista sem moldura. Se perderiam nas pinceladas de Renoir ou de Monet, que produziam suas obras ao ar livre para captar melhor a variação das cores da natureza e também cenas do cotidiano, como a cumplicidade de um casal de senhores vista em uma tarde de outono.





domingo, 5 de dezembro de 2010

Galícia em som e alma


Violino, gaita de fole, flauta e uma noite inesquecível. Na quinta-feira, dia 2 de dezembro, fui ao primeiro show do grupo Luar na Lubre após o lançamento do CD Solstício. A banda galega surgiu em 1986 e é apreciada em todo mundo como uma das formações mais importantes da música folk europeia.

Soube do concerto antes de chegar em Madri e fiquei totalmente seduzida com ideia de assistir aos compositores da trilha sonora que escolhi para fazer a caminhada inca até Machu Picchu, há quase dois anos.

O espetáculo foi em Alcalá de Henares, em um festival que celebra a concessão do título de Patrimônio da Humanidade à cidade das artes e das letras.

O show agitou a plateia. As quase 500 pessoas – a maioria delas já com os cabelos brancos, provavelmente eu era uma das mais novas –  sacudiam-se em seus assentos e na hora de aplaudir ficaram todos de pé. Mais do que merecido.

Luar na Lubre resgata as raízes culturais da Galícia. Os artistas recordam no intervalo de cada canção contos e figuras importantes da música popular galela. Eles se conectam com a própria história e tocam a alma de um povo.

Os oito integrantes da banda transmitiam tanto orgulho de pertencer à Galícia que me dava vontade de conhecer um pouco mais sobre a cultura dos galegos. Por estarem tão próximos ao país luso são tidos como irmãos dos portugueses e, de tabela, como nossos irmãos, dos brasileiros.

Foi na Galícia que a música celta – subdividida em new age, tradicional, fusion e folk – ganhou corpo, integrando a Espanha às chamadas sete nações celtas. Inclui também
Escócia, Irlanda, País de Gales, Bretanha (região da França), Cornualha (Reino Unido) e Ilha de Mann. O termo refere-se às formas tradicionais de danças e aos improvisos dos trovadores, além de ser caracterizado pelo uso de línguas locais nas letras das canções.

Ir ao show me levou não só à Galícia que eu ainda não conheço, mas a outros lugares, àquele imaginado por Tolkien. Um condado, uma cordilheira, um bosque. Quem gosta de Senhor dos Anéis sabe bem como é. Mas no lugar da irlandesa Enya, era a voz da portuguesa Sara Louraço Vidal no palco, também doce, mágica.  

Um dos momentos mais emocionantes do concerto foi a canção Llove en Santiago. Já estava em meus planos fazer o caminho de Santiago de Compostela, capital da Galícia. Assistir à Luar na Lubre me deu um entusiasmo a mais para me aventurar na trilha.