terça-feira, 8 de março de 2011

Espanholas na contramão


Uma sala de aula, muitos homens e algo suspeito. A espanhola Concepción Arenal (1820-1893) frequentava o curso de direito na Universidade Complutense de Madri com vestes masculinas e contra a vontade de sua mãe. Também com calça e camisa de botão, participava de discussões políticas e literárias, desafiando a cultura do patriarcado que excluía as mulheres da educação universitária. Com ela nascia o feminismo no país. Arenal criou condições para que, mais tarde, outras espanholas questionassem seus direitos e deixassem de ser coadjuvantes. Assim como a escritora galega, essas mulheres foram imortalizadas em nomes de ruas, em prêmios, na memória e continuam influenciando vidas na Espanha.


Diferentemente da trajetória de Arenal, a espanhola Emilia Pardo Bazán (1851-1921) não teve que enfrentar a família para perseguir seus sonhos e conquistar seu espaço em uma sociedade de dominação masculina. Desde criança teve apoio dos pais para se dedicar aos estudos e à escrita – sua verdadeira paixão –, sendo liberada das tarefas domésticas. Em comum com a moça que se passava por rapaz, Bazán também se consagrou como uma importante escritora do século XIX e uma das primeiras feministas da Espanha. Publicava artigos denunciando o sexismo predominante no país e exigindo mudanças, a começar pela possibilidade de uma educação igual a dos homens.

Entrava o século XX e os desafios para as mulheres ganhavam outra roupagem. A Espanha estava dividida: de um lado, a extrema direita, as classes privilegiadas e seus aliados, que se posicionaram contra as tentativas de reforma do governo republicano socialista. De outro, o povo, que buscava qualidade de vida e se opunha às atrasadas oligarquias espanholas e seus aliados nazistas e fascistas em plena ascensão no continente europeu.

Nesse contexto, surgem outros nomes. Isidora Dolores Ibárruri Gómez (1895-1989), conhecida como Pasionaria, foi dirigente do Partido Comunista. Destacou-se na Guerra Civil espanhola (1936-1939) e introduziu a questão de gênero na pauta política: “as mulheres são seres livres para escolherem seu próprio destino”, sentenciou. Trabalhou no jornal o Mundo Obrero e, em 1933, fundou a União de Mulheres Antifascistas. Foi presa várias vezes por participar de manifestações e depois da Guerra Civil se exilou na União Soviética, onde foi integrante da Internacional Comunista. Algumas frases de seus discursos, como “Mais vale morrer de pé que viver de joelhos”, formam parte do imaginário coletivo da Espanha, e Pasionaria acabou tornando-se um mito para o país. Seu papel de símbolo popular a converteu em um mito, inspirando obras de Pablo Neruda e de outros poetas e músicos.

Também nessa mesma época saía às ruas Clara Campoamor Rodriguez (1888-1972). Política, republicana, liberal e defensora dos direitos da mulher, foi a principal impulsionadora do sufrágio universal na Espanha, conquistado em 1931. Aos 36 anos, torna-se em uma das poucas advogadas espanholas. Após sua morte, recebeu homenagens de várias instituições que defendiam os direitos das mulheres, e foi instituído um prêmio que leva o seu nome, reconhecendo anualmente personalidades ou grupos que atuam pela igualdade de gênero.

Depois de alcançar o direito ao voto, graças a Rodriguez, as espanholas ampliaram sua participação na esfera política. Federica Montseny Mañé (1905-1994) é uma delas. Sindicalista e anarquista, Mañé foi ministra durante a Segunda República Espanhola, sendo a primeira mulher a ocupar um cargo ministerial na Europa Ocidental. Desenvolveu planos que previa a criação de lugares destinados ao acolhimento infantil, restaurantes para grávidas e o primeiro projeto de Lei de Aborto na Espanha, aprovado em 1985. Assim como Pasionaria, foi exilada no fim da Guerra Civil. Só que em vez de ir para a Rússia, foi parar na França, onde foi perseguida por nazistas e franquistas.


Nazismo e franquismo ficaram – pelo menos em parte – no passado. Nascem outros paradigmas e as mulheres se unem para buscar respostas aos novos desafios. Legalização do aborto, prostituição, religião, violência de gênero e participação política são temas latentes, que geram importantes polêmicas e debates para a mulher de hoje. Entra então Esperanza Aguirre, militante do Partido Popular (PP) – da direita espanhola –, e a primeira presidente eleita da Comunidad Autônoma e Madrid. Nascida em 1952, também foi a primeira e única mulher a ostentar um cargo de presidência do Senado e de Ministra de Educação e Cultura do governo Espanhol.

Em 2004 Aguirre nomeou Cristina Alberdi Alonso, 66, como presidente do Conselho Assessor contra a Violência de Gênero de Madri. Advogada e política, Alonso também foi uma das importantes figuras femininas na história da Espanha. Foi a primeira mulher a formar parte do Partido Socialista Obrero Español (PSOE). Outra, do mesmo partido, e com destaque no cenário político é Leire Pajín, 35. Atual ministra de Saúde e Igualdade da Espanha, é a grande aposta do presidente José Luis Rodríguez Zapatero. Formou-se em sociologia e tornou-se a deputada mais jovem da história da democracia espanhola. Defensora dos ideais de esquerda e comprometida com os problemas de sua geração, já dizia antes mesmo de ingressar na vida política que seria “a força da mudança”. 

Além dela, outras caras, nomes, braços, ações, sonhos, desejos. Que não só no Dia Internacional das Mulheres, celebrado hoje, 8 de março,o legado dessas mulheres sirvam de exemplo. Sabemos que a mulher não é mais aquela definida pela feminista e filósofa Simone de Beauvoir, em seu livro o Segundo Sexo, como a Bela Adormecida no Bosque, a Cinderela e a Branca de Neve que recebe e suporta. No entanto, as princesas que se despiram do vestido ainda esperam mudanças mais profundas, até que a cultura esteja limpa e nua de qualquer vestígio machista que oculte o brilho e a cor de mulheres que querem ser para sempre vivas*.

*"Sempre-viva é o nome de uma flor muito bela e teimosa do cerrado que pode durar até cinquenta anos. Mesmo depois de seca ela permanece inteira, firme e com suas cores características, como se estivesse viva, por cerca de cinco anos. Além disso, caracteriza-se pela fácil dispersão e, por ironia, hoje encontra-se ameaçada de extinção. É uma flor capaz de se espalhar, de ser levada pelo vento. Livre e natural, cheia de vida". Trecho retirado do livro-reportagem Sempre vivas: histórias de sobrevivência, escrito por mim e por duas grandes amigas e jornalistas, Ana Luisa Barcelos e Mariana Celle.

4 comentários:

Denis Marco disse...

tinha certeza que hoje você escreveria algo. muito bom.
parabéns pelo dia, quérida.

Luciana e Luciano disse...

Obrigada por me fazer começar o dia 8 de março com essa postagem...
Sinto muito orgulho ao ler cada texto que você escreve! Leio e penso na menininha que conheci aos 12 anos na porta de saída dos alunos da ESTA e que cresceu comigo dividinhdo cada experiência!
Te amo profundamente!

Carol Jardim disse...

Obrigada você Lulu, pelas palavras de carinho. Amo!

Carol Jardim disse...

Não podia passar em branco, né, Quérido? Obrigada e beijos saudosos.