domingo, 13 de março de 2011

Um carnaval cheio de ressalvas


O carnaval espanhol pode não ter o mesmo destaque que o do Brasil, entretanto, o país já serviu de inspiração para a composição de marchinhas brasileiras. Um presente da minha amiga Débora Fantini - quem me apresentou a música - para você.

Carnaval sem feriado, sem capa de jornal. Uma bailarina entrava no metrô de mãos dadas com o pai, um casal de múmias contrastava com a roupa cor de rosa da niña, algumas coroas de rainha, perucas e o resto das pessoas com roupas normais. Inclusive eu, que quando me perguntavam de que estava fantasiada, respondia:  de jardim. Era carnaval e ninguém precisava me entender, certo?

Enquanto no Brasil estavam todos na folia e a primeira página de todos os jornais exibia as fotos do carnaval mais popular do mundo, aqui em Madri a vida seguia como um dia qualquer e o portal do El Mundo tinha as mesmas cores, a da corrupção do caso Gurtel, a da polêmica do vice-presidente Alfredo Pérez Rubalcaba, a do terrorismo do ETA, e a do massacre de Gadafi.

Com o tema “festa dos loucos”, a prefeitura convidou os madrilenhos a se deixarem invadir pelo espírito satírico do carnaval, despertar a fantasia, a ilusão e soltar a imaginação em uma “saudável loucura”. Na programação constava: concertos, como o da Banda Sinfônica Municipal, concursos de fantasia, bailes e desfiles fazendo alusão a Don Carnal, o protagonista da festividade, e a Ulisses.

Segundo relatos de alguns amigos, a propaganda não garante a adesão do público: “Fui em um dos desfiles convocados pela prefeitura e quando cheguei já estava acabando. Na Venezuela dura o dia todo”, disse a maracucha Maria Paola Sanchez, que divide o apartamento comigo. Apesar do carnaval em Madri não dar muito ibope, a Espanha é conhecida por promover duas outras celebrações que se enquadram na categoria de “Festa de Interesse Turístico Internacional”: a de Cádiz, na Andaluzia, a de Tenerife, em Canárias.

Nos dois bares brasileiros mais conhecidos de Madri, o Maloka e o Kabokla, a propaganda foi sedutora. “Movida brasileña carnaval 2011”. A mobilização começaria com uma batucada na rua, passando por alguns bairros e praças no coração da cidade, e terminaria nos bares, onde a festa continuaria madrugada adentro. Todos foram convidados. Era só levar um instrumento e pronto, a bateria estaria formada.

Na mesma hora me animei e pensei em escrever um texto para o blog sobre como os brasileiros celebram o carnaval na Espanha. Pela fama que vem debaixo da linha do Equador, o tema vira até notícia. Antes mesmo de saber da mobilização em Madri, um colega do mestrado me informou que as emissoras de televisão daqui já haviam exibido reportagens sobre o assunto; ao contrário do carnaval dos próprios espanhóis, que não tem tanta repercussão na mídia.

O primeiro título que veio à minha mente foi: Aqui também tem carnaval. No entanto, depois de ter participado do evento e redigir este texto, tive que mudar de ideia.  

O comportamento dos brasileiros que moram aqui frente a uma das datas mais esperadas do ano foi variado. Alguns estavam inconformados no facebook. “Me salva desse carnaval desesperador”, postou minha querida amiga Natália Sant` Anna, que chegou na mesma época que eu em Madri, em outubro, para fazer um mestrado em Desenvolvimento Sustentável também pela Fundación Carolina.

Aiiiiii carnaval frio, trabalhando ou estudando... ninguééééém merece néééah??? Vou bloquear todo mundo do Brasil dos meus feeds... (se bem que de agora até quarta tá todo mundo se divertindo por aí, só os looserssssss vão ficar tweetando!! hehehe). Oh Dios!”, publicou a paulista Lígia Nogueira, há mais tempo em terra espanhola.  

Nessa mesma linha, encontravam-se alguns brasileiros que preferiam esquecer que o carnaval existe e se refugiaram dentro de casa. Outros aproveitaram para tirar férias e foram ao Brasil, que é o caso de duas cariocas ótimas que conheci aqui, as duas Paulinhas, a Albuquerque e a Chalhoub. Para os que ficaram em Madri, como eu, havia uma segunda opção: juntar-se ao movimento – e foi a que escolhi.

Infelizmente, não pude participar da batucada porque estava gravando um programa de rádio. Segundo relatos do meu amigo Gui, jornalista e mestrando pelo El País – que chegou a cogitar que passaria o carnaval em branco –, o batuque foi o melhor da festa. “Me surpreendi positivamente, talvez por que estava esperando pouco”, contou.


Foto e vídeo cedidos pelo Gui

Fui direto para o bar. Chegando lá, foi a primeira vez, em quase cinco meses de embarazo, que escutei mais de dez pessoas falando português no mesmo ambiente. Os muitos “oi”, “tudo bom” e “obrigada” da noite não fizeram com que eu me sentisse em casa.

Uma fadinha e um anjinho na minha frente com sotaque do interior de São Paulo. Os dois amigos, que chegaram à capital espanhola há menos de dois meses para estudar, foram em uma loja de chinês – aqui têm muitas delas, que vende todo tipo de mercadoria – e garantiram a fantasia.

Estavam animados, mas a festa exportada do Brasil pareceu não convencê-los: “É, até que eles tentaram, mas não tem como ser igual”, disse um deles, com ar de decepção, enquanto cantava “moro, num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza...”. “Nunca achei que acabaria o carnaval cantando Ana Júlia”, comentou Natália.

É claro que não dá para esperar um verdadeiro carnaval brasileiro, se é que existe um. Uma tradição que atravessa o oceano para chegar na Península Ibérica vai perdendo suas características e ganha outra forma. As múltiplias maneiras de celebrar – a dos trio-elétricos, das cidades históricas de Minas, do samba, da marchinha, do frevo e do maracatu, dos desfiles, do sambódromo, dos blocos de rua e muitas reticências, cada um faz a sua maneira – virou um evento carente da espontaneidade típica do carnaval.

O que era para ser a “pura transgressão”, “uma experiência plena, com todos os corpos livres para vivê-la”, citando minha amiga e jornalista Débora Fantini – que escreveu recentemente em seu blog suas experiências de carnaval –, sofreu uma adaptação forçada, nada natural.

O mais parecido com “parte do que fazemos” era a televisão do Kabloka que exibia o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro – não é a toa que os estrangeiros acham que o nosso carnaval é só sambódromo e mulheres de pluma. Marchinhas? Não fazem nem ideia do que seja isso, tampouco os organizadores da festa que escolheram para a trilha da noite Ivete Sangalo e outros axés e pagodes comerciais.

Além dos brasileiros pouco integrados, em pequenos grupos de amigos, tinha alguns estrangeiros – e bem soltinhos, mais do que todas as vezes que vi aqui em Madri. Fiquei pensando se era o clima de irreverência do carnaval. Ou se era a fama das brasileiras que subia na cabeça dos gringos junto à dose pesada de álcool.

Tinha convidado vários amigos para ir à “movida brasileña”. Por imprevistos, ninguém pôde ir ao bar e me senti aliviada. Não era esse Brasil e esse carnaval que eu queria mostrar. Nessa crise de identidade carnavalesca, lembrei-me, mais uma vez, da minha amiga Débora, que, em uma das nossas conversas, falava que carnaval não tem data marcada. Fiquei então à espera do carnaval do dia a dia, sem pretexto para se viver a alegria agora e amanhã, não é mesmo, Dé? 

10 comentários:

Anônimo disse...

Carolzinha, minha flor,
muito bom ler suas impressões sb carnavais!
Sabia que as imagens que mais me marcaram neste Carnaval vieram da Europa? Como o boneco satitrizando o diretor da Fiat (como outrora era entronizado o rei Momo, numa ridicularização consentida do monarca oficial) e um outro, representando o Ahmadinejad em forma de suástica, na Alemanha. Estas e outras fotos nesta galeria do UOL: http://noticias.uol.com.br/album/110307Carnavalmundo_album.jhtm#fotoNav=8
Sobre as marchinhas, sabia que foram introduzidas no Carnaval brasileiro em 1930, "impostas pela Victor e pela Odeon, gravadoras estrangeiras que começavam a se instalar aqui", citando Ruy Castro.
Acho que nada como uma crise de identidade - pessoal ou nacional - para fazer nascer um bloco de carnaval, assim, em minúscula, para se diferenciar da festa oficial do calendário capitalista.
E dessa crise, criarmos um território em eterno devir, sempre melhor!
Um beijo,

Anônimo disse...

Não é e nunca vai ser igual. Por duas vezes passei o carnaval fora do Brasil e não participei de nenhuma festa que se pareça nem de perto com o nosso carnaval. Mas ao mesmo tempo acredito que não é este o grande objetivo.

Só a iniciativa eu já acho bastante válida. O Brasil pode ter mil defeitos e as pessoas podem ter outras mil imagens erradas da nossa cultura. Mas sempre me senti muito orgulhosa quando algum estrangeiro falou da nossa música e do nosso carnaval, mesmo com referência aos "pagodes", que também desconheço o nome.

Nas duas oportunidades que tive de morar fora percebi que o Brasil pode me orgulhar de várias formas, depende muito de como eu olho para isso.

Fiquei feliz em saber que na Espanha eles tentam fazer uma festa parecida com a nossa em tamanho e alegria.

Boa sorte ai!

Abcs,

Danielle

Carol Jardim disse...

Ei Dani, legal seu comentário. Concordo com você. Também acho a iniciativa louvável e quando fiquei sabendo que ia ter a "movida brasilena" fiquei bem entusiasmada. Por isso fui prestigiar. Mas confesso que me decepcionei. Senti "a alegria e o tamanho" camuflados por uma potente onda comercial. Enfim, entre as várias caras do Brasil, como você mesma disse, acho que preferimos mostrar aquela que nos identificamos mais. É por isso que quando vou apresentar alguma música para os meus amigos estrangeiros coloco "Clube da Esquina" e não "Os travessos".

Carol Jardim disse...

Dé, já tinha visto essas imagens em um portal espanhol. Muito bom!!! Quanto às marchinhas, e "Ô Abre Alas", da Chiquinha Gonzaga, de 1899? Bom, além de esperar um "carnaval com ou sem aspas", agora aguardo o nascimento do nosso bloco. Adorei a ideia. :)

Anônimo disse...

Carolzinha,

Que delícia ler seus textos! Conhecer um pouquinho das suas experiências é uma boa forma de ajudar a matar a saudade.
Para misturar essas impressões todas, podemos fazer um carnaval, festa junina, natal, ano novo na sua volta.

Beijocas,
Helô

Luisa Belchior disse...

Carol,
Eu tb não tive boas experiências de carnaval aqui em Madri. No primeiro ano quase fui nessa batucada, mas uma amiga me disse no dia anterior que era maior furada. E em outro ano fui no desfile da Gran Via mas tava tanto frio que fiquei 15 minutos e fui embora!
bjs.

Carol Jardim disse...

Delícia é receber sua mensagem, Helô. Bateu muita saudade de você, da Ana, da Rrurru, dos nossos cafés. Quando eu voltar, temos que marcar um por semana. E sim, vamos fazer o nosso carnaval, festa junina, ano novo fora de época. rsrsrs Adoro! Bjos

Carol Jardim disse...

Ei Luisa, realmente o frio não ajuda. Mas me falaram que a batucada foi bem legal este ano, melhor que a festa dos bares. Quem sabe no próximo não vamos para Tenerife? Bjos

Anônimo disse...

oi Carol ! parabens pelo blog...e se vc fosse um anjo ! ajudaria a unir um amor que se separou pela força do proprio amor...e ki depende agora so da ajuda de um anjo p unilos...um esta em tenerife e o outro no brasil...parece facil! mas oque esta em tenerife,mora em cuba e precisa casar com alguem p sair do pais...bom como ele foi parar la ...e uma grande historia, se vc encontrar um anjo me avisa !necessito acabar com o sofrimento desse amorrr...

Carol Jardim disse...

Olá!!! Obrigada, fico feliz por ter gostado do blog. Qual o seu nome? Tente encontrar o anjo que existe em cada pessoa. Seria uma honra poder ajudar. Bjos, Carol :)