Caro leitor, apresento a você as minhas queridas amigas-irmãs-companheiras Paula Daibert (à dir.) e Natália San´t Anna. Sem elas, Madri não seria Madri. Essas duas dariam um filme. O gênero? Depende do dia. Mas posso dizer que na maioria das vezes elas seriam protagonistas da melhor comédia.
“Dá um pedacin desse chocolate aíiiii?”. Pronto, estava criado. O apelido da Paula – mineira de Juiz de Fora, mas com um jeito moleque de quem viveu quase sempre no Rio de Janeiro – virou Trombadinha. Prazer, Paula Daibert, a Trombadinha.
De raízes do morro ela não tem nada. Mas é de lá que vem algumas de suas inspirações. “Fé em Deus! DJ!”, escrevia em uma mensagem, para anunciar que estava escutando a música Rap das Armas. Não tenho a menor ideia do que ela estava aprontando em Doha – cidade onde estava morando –, mas nem precisa mirabolar muito.
Ela é daquelas pessoas que se diverte fácil e faz todo mundo rir. É bem possível que estava dançando em casa sozinha ao som de “paparapaparapapara clack bum”, um funk que chegou à Espanha e em outros lugares do mundo, mas quase ninguém sabe que veio do Brasil.
Com a Paula não tem meio termo. Ela vive à flor da pele. Ou vai ou racha. Na mesma potência em que se diverte, vem a “bad”, como ela gosta de dizer. “Tenho m-i-l-h-õ-es de coisas para fazer”. “É m-u-i-t-a coisa”. “Agora não posso”. Quantas vezes ouvi isso aqui. E entre as milhões de tarefas ela não pode abdicar, claro, de sua soneca sagrada. Alguém cochila de nove às dez da noite? A Paula Daibert cochila.
O jeito malandro da nossa Trombadinha de primeira é logo convertido em outra pose. A palavra agora é seriedade e compromisso. A trilha, Regina Spektor. Com seus óculos vermelhos – parte de seu DNA –, ela assume seu sobrenome de peso. A Daibert entrevista Luiz Inácio Lula da Silva e recebe até elogios do nosso ex-presidente.
Com apenas 25 anos, na inércia de uma vida louca que vem levando não sei exatamente desde quando – antes da Espanha, ela já morou nos Estados Unidos e na Suécia –, a nossa Paula, excelente jornalista, foi parar no Qatar. Durante três meses trabalhou na Al Jazeera, como estágio obrigatório do mestrado em Estudos Árabes e Islâmicos que está cursando desde outubro passado, quando chegamos a Madri.
Mas nos conhecemos antes, no consulado da Espanha no Rio, quando fui solicitar o visto. Trocamos e-mail, ela chegou à Espanha uma semana depois de mim, não tinha onde ficar e mudou-se para a minha casa. Foi aí que tudo começou. De conhecidas passamos a amigas e, depois, a irmãs.
A empatia não foi à primeira vista. Melhor que isso, foi construída e fortalecida por uma convivência que permitiu que nos conhecêssemos mais profundamente e nos apaixonássemos pelo que realmente somos e não por uma imagem formada por poucos encontros, às vezes distorcida.
Criamos uma relação de cumplicidade total. Na música e na dança, na madrugada e nos cafés da manhã, na diversão e no hospital, nas revoltas e nas brincadeiras, nas viagens e nos pés no chão. E a pausa. Paula Daibert vai para o deserto e deixa um vácuo na nossa casa.
Começa meu período nerd. Saí da vida a mil por hora que levava com a Trombadinha e pude me concentrar mais no mestrado. Em partes. Aí entra o Bombom na história, a Natália San´t Anna. Apropriei-me do apelido que uma espanhola deu a ela. “Bombonzito”, disse a moça à Natália. Essa brasileira de cor de chocolate é um doce.
Com o abandono da Daibert e o trio desfalcado, eu e a Bombom formamos uma dupla imbatível. Nunca vi tanta energia em uma pessoa só. Quem tem muita energia tem que dissipá-la, de alguma forma. E a dela é liberada em sorrisos. Bombom pode passar trinta minutos dando gargalhadas sem parar e sem nenhum motivo especial. Seu amigo colombiano Jairo que o diga. Encontrou-a no metrô em um desses momentos Nat em transe e não entendeu nada.
E nem precisa entender. Assim como a Paula Daibert, que conquista novos fãs em todo lugar que passa, a Nat é vista com inquestionável admiração. Todo mundo gosta dela e ela gosta de todo mundo. Também, como não se encantar por uma pessoa que transmite a alegria em abraço, beijo, carinho e conversa? A Nat é de Guaratinguetá (SP), mas nasceu para o mundo. Não foi à toa que escolheu se formar em Relações Internacionais.
Em Madri, optou pelo caminho da sustentabilidade e foi aprovada pela Fundación Carolina para fazer o mestrado em Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável. No entanto, a diplomacia continuou sendo exercida com paixão. Ela foi uma das entrevistadas em um documentário espanhol sobre samba e deixou as cinegrafistas de queixo caído com tanta demonstração de orgulho à pátria. “O samba vem de dentro para fora, é democrático. Todos podem fazer. Tem que sentir”, comentava, revelando seu caso de amor com o Brasil.
O mesmo apreço que tem pelo samba ela também tem pelo carnaval. A Nat é carnaval fora de época, é festa todos os dias. É cor. Vê cor. Em uma de aulas do mestrado seu professor perguntou para a turma qual era o ecossistema que representava cada um. A resposta dela, a mais linda de todas: “Arco-íris”, disse.
E foi essa sintonia colorida da vida que colocou nós três no mesmo caminho. Mistura Minas-Rio-São Paulo-e-agora-Madri que transformou amizade em família, diferença em soma, meses em anos, experiências em aprendizado e fatos em histórias inesquecíveis. Três pessoas completamente diferentes, unidas por tudo aquilo que não nos assemelha, mas nos completa, na doçura e na molecagem.