quinta-feira, 28 de abril de 2011

Bombom e Trombadinha


Caro leitor, apresento a você as minhas queridas amigas-irmãs-companheiras Paula Daibert (à dir.) e Natália San´t Anna. Sem elas, Madri não seria Madri. Essas duas dariam um filme. O gênero? Depende do dia. Mas posso dizer que na maioria das vezes elas seriam protagonistas da melhor comédia.

“Dá um pedacin desse chocolate aíiiii?”. Pronto, estava criado. O apelido da Paula – mineira de Juiz de Fora, mas com um jeito moleque de quem viveu quase sempre no Rio de Janeiro – virou Trombadinha. Prazer, Paula Daibert, a Trombadinha.

De raízes do morro ela não tem nada. Mas é de lá que vem algumas de suas inspirações. “Fé em Deus! DJ!”, escrevia em uma mensagem, para anunciar que estava escutando a música Rap das Armas. Não tenho a menor ideia do que ela estava aprontando em Doha – cidade onde estava morando –, mas nem precisa mirabolar muito.

Ela é daquelas pessoas que se diverte fácil e faz todo mundo rir. É bem possível que estava dançando em casa sozinha ao som de “paparapaparapapara clack bum”, um funk que chegou à Espanha e em outros lugares do mundo, mas quase ninguém sabe que veio do Brasil.

Com a Paula não tem meio termo. Ela vive à flor da pele. Ou vai ou racha. Na mesma potência em que se diverte, vem a “bad”, como ela gosta de dizer. “Tenho m-i-l-h-õ-es de coisas para fazer”. “É m-u-i-t-a coisa”. “Agora não posso”. Quantas vezes ouvi isso aqui. E entre as milhões de tarefas ela não pode abdicar, claro, de sua soneca sagrada. Alguém cochila de nove às dez da noite? A Paula Daibert cochila.

O jeito malandro da nossa Trombadinha de primeira é logo convertido em outra pose. A palavra agora é seriedade e compromisso. A trilha, Regina Spektor. Com seus óculos vermelhos – parte de seu DNA –, ela assume seu sobrenome de peso. A Daibert entrevista Luiz Inácio Lula da Silva e recebe até elogios do nosso ex-presidente.

Com apenas 25 anos, na inércia de uma vida louca que vem levando não sei exatamente desde quando – antes da Espanha, ela já morou nos Estados Unidos e na Suécia –, a nossa Paula, excelente jornalista, foi parar no Qatar. Durante três meses trabalhou na Al Jazeera, como estágio obrigatório do mestrado em Estudos Árabes e Islâmicos que está cursando desde outubro passado, quando chegamos a Madri.

Mas nos conhecemos antes, no consulado da Espanha no Rio, quando fui solicitar o visto. Trocamos e-mail, ela chegou à Espanha uma semana depois de mim, não tinha onde ficar e mudou-se para a minha casa. Foi aí que tudo começou. De conhecidas passamos a amigas e, depois, a irmãs.

A empatia não foi à primeira vista. Melhor que isso, foi construída e fortalecida por uma convivência que permitiu que nos conhecêssemos mais profundamente e nos apaixonássemos pelo que realmente somos e não por uma imagem formada por poucos encontros, às vezes distorcida.
 
Criamos uma relação de cumplicidade total. Na música e na dança, na madrugada e nos cafés da manhã, na diversão e no hospital, nas revoltas e nas brincadeiras, nas viagens e nos pés no chão. E a pausa. Paula Daibert vai para o deserto e deixa um vácuo na nossa casa.

Começa meu período nerd. Saí da vida a mil por hora que levava com a Trombadinha e pude me concentrar mais no mestrado. Em partes. Aí entra o Bombom na história, a Natália San´t Anna. Apropriei-me do apelido que uma espanhola deu a ela. “Bombonzito”, disse a moça à Natália. Essa brasileira de cor de chocolate é um doce.

Com o abandono da Daibert e o trio desfalcado, eu e a Bombom formamos uma dupla imbatível.  Nunca vi tanta energia em uma pessoa só. Quem tem muita energia tem que dissipá-la, de alguma forma. E a dela é liberada em sorrisos. Bombom pode passar trinta minutos dando gargalhadas sem parar e sem nenhum motivo especial. Seu amigo colombiano Jairo que o diga. Encontrou-a no metrô em um desses momentos Nat em transe e não entendeu nada.

E nem precisa entender. Assim como a Paula Daibert, que conquista novos fãs em todo lugar que passa, a Nat é vista com inquestionável admiração. Todo mundo gosta dela e ela gosta de todo mundo. Também, como não se encantar por uma pessoa que transmite a alegria em abraço, beijo, carinho e conversa? A Nat é de Guaratinguetá (SP), mas nasceu para o mundo. Não foi à toa que escolheu se formar em Relações Internacionais.

Em Madri, optou pelo caminho da sustentabilidade e foi aprovada pela Fundación Carolina para fazer o mestrado em Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável. No entanto, a diplomacia continuou sendo exercida com paixão. Ela foi uma das entrevistadas em um documentário espanhol sobre samba e deixou as cinegrafistas de queixo caído com tanta demonstração de orgulho à pátria. “O samba vem de dentro para fora, é democrático. Todos podem fazer. Tem que sentir”, comentava, revelando seu caso de amor com o Brasil.

O mesmo apreço que tem pelo samba ela também tem pelo carnaval. A Nat é carnaval fora de época, é festa todos os dias. É cor. Vê cor. Em uma de aulas do mestrado seu professor perguntou para a turma qual era o ecossistema que representava cada um. A resposta dela, a mais linda de todas: “Arco-íris”, disse.

E foi essa sintonia colorida da vida que colocou nós três no mesmo caminho. Mistura Minas-Rio-São Paulo-e-agora-Madri que transformou amizade em família, diferença em soma, meses em anos, experiências em aprendizado e fatos em histórias inesquecíveis. Três pessoas completamente diferentes, unidas por tudo aquilo que não nos assemelha, mas nos completa, na doçura e na molecagem.


segunda-feira, 25 de abril de 2011

Que riiiiiico, San Miguel



Escondido atrás da Plaza Mayor, encontra-se o Mercado de San Miguel, um dos principais alvos de turistas e madrileños que perseguem a boa gastronomia. Fundado em 1916, o espaço deixa água na boca. Não tem ninguém que sai de lá sem dizer, ao menos uma vez, “que riiiico”. Em mineirês, seria o nosso: “ô trem bão, sô!”.

Bares de vinhos, docerias, livraria de culinária, bancas de verduras frescas, frutos do mar, aperitivos, massas e cozinheiros de mão cheia fazendo arte. Transformam salmão e creme de ervas,  jamón (presunto) ibérico e queijo manchego nas tradicionais “tapas” espanholas.

Entre uma tapa e outra, vem as croquetas. Tem de vários tipos. Pode ser de presunto, camarão, frango e champignon. São tão famosas que os clientes enfrentam uma fila gigantesca para comprar o “salgadinho” da Espanha.

No meio do mercado, várias mesas comunitárias disputadas a olhos. Com muita educação e paciência, cada um espera a sua vez de sentar sem o empurra-empurra típico de uma feira lotada. Ali, os visitantes se reúnem com familiares e amigos e assistem a um desfile de moda gratuito.

O Mercado de San Miguel não parece com o nosso Central, de Belo Horizonte. É do salto alto. Nada de havaianas. É do caviar. Esquece o tropeiro. Tem petit gateau. E não biscoito caseiro. É da taça e não do copo sujo. 















quinta-feira, 21 de abril de 2011

Judith e Lula na capital

Como havia prometido, compartilho com você o link da reportagem que escrevi sobre Judith Torrea, a única jornalista estrangeira que vive em Juárez, a cidade mais perigosa do mundo, localizada na fronteira entre o México e os Estados Unidos.

Judith acaba de lançar o livro “Juárez em la sombra: crônicas de una ciudad que resiste a morir”. Nele, recupera textos de seu blog, ganhador do Premio Ortega y Gasset de Jornalismo Digital 2010.

Além da escritora, a visita do nosso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Espanha também foi uma das minhas pautas para o El Mundo. Confira: 

Judith Torrea



Juárez a cuatro manos, a dos miradas (comparação entre dois livros sobre Juárez)

Visita Lula


segunda-feira, 18 de abril de 2011

"Luna embarazada"


João caminhava pelo centro histórico quando viu duas meninas conversando em português. Tinha acabado de chegar a Madri. Perguntou se podia acompanhá-las e seguiram para a Puerta del Sol, onde tinha combinado de encontrar com a Nat – minha "irmã" brasileira, já citada várias vezes neste blog – e com sua amiga que estava de visita. Foi assim que conhecemos o João e é também dessa forma que a rede de brasileiros no exterior vai ganhando mais integrantes.

João puxa o “x”, é um dos homens mais altos que vi por aqui, e também um dos mais atenciosos. Nascido na Cidade Maravilhosa, é biólogo e veio fazer doutorado na capital. Só que sua estada é bem mais longa que um "embarazo". São quatro anos de chão e ele está caminhando bem. Já tem até mãe. 

Depois de dividir um apartamento com estudantes, resolveu mudar de casa. Agora vive com uma senhora que, além de ser uma ótima pessoa, treina os seus dotes maternos com um rapaz de quase 1,90 de altura – é isso, João? 

"Outro dia cheguei em casa e tinha até comida pronta", conta com um sorriso que revela sua ternura, o mesmo que ele deu no primeiro dia que nos vimos e que me encantei de cara. O João é carinho em pessoa, gentil sem medir esforços.

O nosso biólogo carioca só tinha esquecido de me contar uma de suas principais habilidades. Ele também é poeta.

Descobri há poucos dias, quando me mandou o texto abaixo que compartilho com você. Inspirada neste blog, a poesia me emocionou. Obrigada, João.

La luna embarazada
João Ortigão

São Jorge filho da lua
Percorre um olhar na rua
Tornando a vida nua.
Janelas retangulares
Nos trazem a vossos ares,
Que com harmônica simetria
Representam vida em alegria.
Palavras que cruzam mares
Relatam o que ali se via
E sem falar de pesares
Mostram o bem em sintonia.
Repente de pouca linha
Saúda a bela resenha
Que desfruta a rua
À luz da lua.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Da sala de aula para a redação



Após seis meses assistindo a aulas teóricas, entro na fase mais esperada do máster: a prática. Desde o dia 31 de março estou na redação do El Mundo. O jornal faz parte do grupo de mídia espanhol Unidad Editorial. Ao todo, são 2 mil funcionários que trabalham no El Mundo, TV, rádio e outras publicações como o jornal de esportes Marca e o de economia Expansíón.

Abaixo, algumas reportagens que escrevi nessas quase duas semanas de experiência (clique no link para ter acesso ao conteúdo). Amanhã publicarei uma entrevista com a espanhola Judith Torrea, a única jornalista estrangeira que vive em Juárez – cidade mexicana mais perigosa do mundo –, cobrindo o narcotráfico. Depois compartilho o link.




Outras fotos da manifestação Juventud Sin Futuro




Manifestação contra o ETA


segunda-feira, 4 de abril de 2011

O lado sujo da Espanha, muckrakers em ação

Este cartoon, chamado de The Bosses of the Senate, foi produzido por Joseph Keppler e publicado na revista Puck em 1889. Refere-se aos poderosos chefões dos Estados Unidos que dominavam a cena política e foram denunciados pelos jornalistas de investigação por beneficiarem grandes empresas como a Standard Oil.

Em 1906, em um jantar com jornalistas, o ex-presidente americano Theodore Roosevelt chamou-os de muckrakers (limpadores de esterco) por atacarem sua política. O termo ganhou popularidade e virou uma das palavras de ordem na Espanha nos últimos 30 anos, num país tomado pela corrupção e por profissionais empenhados em denunciar as irregularidades do sistema.  

Segundo informe da ONF Transparência Internacional, o país ocupa a 28° posição em um total de 180 no ranking de corrupção mundial, sendo o menos corrupto a Dinamarca e o mais, Haiti. Somente nos últimos dez anos, os dois partidos políticos majoritários na Espanha – PSOE (esquerda) e PP (direita) – retirou dos cofres públicos 4 bilhões de euros, em 28 dos 140 casos de corrupção registrados nesse período. Resultado? 85% da população afirmou não confiar em seus representantes, de acordo com uma pesquisa encomendada pelo jornal El País.

Os setores de construção e urbanismo foram os que mais propiciaram a corrupção na Espanha, rendendo pautas e muito trabalho para os jornalistas de investigação, que se dedicam a denunciar a podridão do sistema. Diante dos muckrakers, a classe corrupta reage com a mesma elegância usada na hora de cometer delitos. “Hijos de puta”, soltou Ludolfo Paramio, membro do Executivo do PSOE, aos jornalistas que começaram a destampar a corrupção de seu partido, em 1992.

Baltasar Garzón, juiz da Audiência Nacional na Espanha, defende que um dos motivos para os crimes é a lógica do vale tudo – se ele faz, eu também posso –, e “a instauração de um modo de fazer política prepotente e pouco respeitosa com os direitos fundamentais do cidadão”. Para evitar a corrupção, Garzón propôs algumas medidas e entre elas está o trabalho dos jornalistas investigativos. Segundo ele, os meios de comunicação desempenham papel crucial já que tem sido os únicos a “investigarem e a denunciarem diante da inatividade oficial e das situações de irregularidade”.

Apesar de a Espanha ser um dos principais centros de corrupção, a prática é comum em todo o continente. Em 1996, o jornalista e especialista em criminalidade financeira, Denis Robert, do jornal Liberation, e o Fiscal General de Genebra, Bernand Bertossa, escreveram o Manifesto de Genebra:

Conselho de Europa, Tratado de Roma, Acordo de Schengen, Tratado de Maastricht: atrás dessa Europa em construção, visível, oficial e respeitável, se esconde outra Europa, mais discreta, menos confiável. É a Europa dos paraísos fiscais que prospera de forma descarada (...). É também a Europa do mundo financeiro e dos bancos, onde o segredo bancário é uma desculpa. Esta Europa de contas numeradas e lavagem de dinheiro é utilizada para reciclar o dinheiro da droga, do terrorismo, das seitas, da corrupção e das atividades mafiosas.