“Hay cansancio pero podemos aguantar hasta el domingo”, falou um dos porta-vozes do 15-M, em uma das assembleias organizadas diariamente pelo movimento. “Más, más, más”, respondeu o público, manifestando a determinação de continuar lutando na Puerta del Sol.
Não estava em Madri quando os manifestantes tomaram a praça no dia 15 de maio. Cheguei de viagem na segunda passada e fui direto ao local para conferir o que estava acontecendo e, no dia seguinte, tive que me infiltrar novamente na mobilização para fazer cobertura para o El Mundo (fui fisgada pela correspondente da Globo News que também estava fazendo uma reportagem, veja neste vídeo).
É a primeira vez desde 2004 que os espanhóis se mobilizam dessa forma. O movimento, organizado pela plataforma Democracia Real Ya!, foi tão bem articulado pelas redes sociais que a Puertal del Sol transformou-se num palco de protestos. As milhares de pessoas acampadas na praça estão recebendo apoio de várias cidades da Espanha e de outros países.
Os manifestantes se dizem apartidário e defensores de uma nova forma de fazer política. Estão organizados da seguinte forma: o núcleo é a Puerta del Sol. Lá, concentram-se as barracas dos acampados e as várias tendas: informações, enfermaria, biblioteca, arquivos, oficinas, meditação, entre outras.
Exercitam a cidadania, o saber ouvir, coletar e estruturar os anseios e as inquietudes da população. Apesar de a mobilização estar perdendo força numérica (justificada por ser dia de semana), seus representantes opinam que o movimento está se estabilizando, crescendo e amadurecendo.
“Não está dispersando. Pelo contrário, está estendendo”, defende uma das participantes. Segundo ela, o 15-M está em fase de expansão. A ideia é descentralizar, levar as pautas até os bairros de Madri e outras cidades da Espanha e colher mais demandas para apresentá-las aos governos locais.
“Não está dispersando. Pelo contrário, está estendendo”, defende uma das participantes. Segundo ela, o 15-M está em fase de expansão. A ideia é descentralizar, levar as pautas até os bairros de Madri e outras cidades da Espanha e colher mais demandas para apresentá-las aos governos locais.
Diante da ameaça policial, os indignados traçaram estratégias. “Se a polícia interferir, dê o braço ao seu colega mais próximo e sentamos no chão, sem enfrentamento. Não se esqueçam de deixar gravado no celular uma mensagem comunicando o ocorrido e envie a todos os seus contatos para que o mundo saiba o que está acontecendo aqui”, recordou um dos organizadores do 15-M.
Para levantar as propostas, foram criadas comissões e grupos de trabalho sobre diferentes temas que vão desde imigração, política, corrupção, passando por saúde e cultura. Os manifestantes pedem uma saída à crise econômica que já deixa mais de 50% dos jovens desempregados, além do fim do controle midiático, do salário vitalício de políticos, dos paraísos fiscais, da privatização da saúde e da mercantilização do ensino. E mais uma lista inacabável de exigências que refletem a insatisfação generalizada do povo espanhol.
Todos os dias esses grupos se reúnem em ruas próximas à Puerta del Sol para debater e levantar sugestões. As propostas de cada comissão são votadas no dia seguinte em assembleia geral. Participam jovens, intelectuais, professores, trabalhadores, desempregados, estudantes e aposentados. Homens de terno e mulheres sem calçado, cabelos brancos e jovens que tem toda uma vida pela frente, unidos pelo mesmo propósito: mudar.
O Sol virou a Ágora madrileña e as pessoas resistem ao calor de 30 graus e à falta de sombra na praça. Entre sombrinhas e esguichos de água, presenciei um debate sobre paraíso fiscal. Professores da principal universidade de Madrid, a Complutense, contribuíram com a discussão, ensinando e aprendendo com a “geração perdida”.
Já ouvi várias críticas em relação ao movimento. Que é abrangente demais, que não apresenta soluções. Que é um movimento inconstitucional, que começou na hora errada. Que os espanhóis são preguiçosos e reclamam de tudo. Que os jovens buscam apenas trabalho público e não são empreendedores o suficiente para criarem seus próprios negócios e impulsionarem a economia. Que existe manipulação das informações pelo partido de direita do país, o PP, que massacrou o PSOE (socialista) nas últimas eleições de 22 de maio, conquistando mais de 52% dos votos.
Além disso, proprietários de algumas lojas perto da Puerta del Sol reclamam da queda das vendas e da imundice da praça. “Esto está echo una mierda”, disse um deles. Outros pedem para “tirar esses hippies das ruas”. Muitos criticam que tem um monte de gente que está lá pelo efeito psicológico, sem saber o motivo, ou melhor, “porque não tem nada para fazer”, segundo a vendedora de uma loja, situada no furacão da revolta.
Tentam desprestigiar e deslegitimar um movimento marco na história da Espanha, que demonstra o despertar de uma juventude tachada de apática. Criticam também a falta de coerência. Tudo bem, coerência é o que muitos de nós buscamos. Mas como criar unidade e ter 100% de coerência em um movimento de massa que é heterogêneo por essência?
É claro que existirão falhas no discurso, lacunas em propostas. Os próprios manifestantes tentam, de alguma forma, se alinharem. Talvez não tenham uma linha específica porque a revolta parte de uma crítica generalizada ao sistema. Tentam estabelecer prioridades e tratar de temas urgentes. Contudo, sem marginalizar outras questões latentes na sociedade.
O movimento não vai gerar uma ruptura no sistema, como muitos manifestantes pretendem. Pode ainda não conseguir emplacar nenhuma das medidas propostas, não ter o impacto esperado e nem provocar mudanças profundas. Não deixa de ser, porém, uma luz em uma Espanha obscura, que quer sair do buraco.
Se a manifestação conseguir mudar o olhar de poucas pessoas, já valeu a pena. Sabemos que as mudanças começam em nós mesmos, percebendo nosso universo particular e suas implicações no coletivo. Tem gente que acha que os manifestantes são "irrealistas" demais. Eu já gosto de acreditar que tudo é possível. Afinal, como diz meu amigo Lucas Avelar, "o impossível é impossível".