“Uno, dos, tres, cuatro, los pulgares preparados”. Enquanto dois irmãos de mais ou menos cinco anos se entretinham com aquela brincadeira dos polegares – de quem prende o dedo do outro primeiro –, uma mulher de óculos escuros entrou no metrô. Ela não podia vê-los. Mas escutava-os perfeitamente.
A moça apoiou na porta e por lá permaneceu até a estação Sol de Madri, ouvindo a cantoria das crianças, o som dos trilhos, o abre e fecha de portas e sentindo as vibrações do restante das pessoas que estavam no mesmo vagão. Silenciosas, cada uma aproveitava as horas gastas no metrô com um passatempo que ia desde leitura até um cochilo.
O metrô de Madri possui 13 linhas que atravessam 293 estações. Sete mil pessoas trabalham nos 283 quilômetros da rede, para atender aos cerca de 2,5 milhões de usuários por dia. É um mar de gente subindo e descendo as 1.547 escadas rolantes. Uns mais apressados, outros divagando, todos com o mesmo objetivo: chegar a algum lugar. E para isso, o metrô tem as suas próprias regras.
Logo você aprende que não se deve ficar do lado esquerdo da escada rolante se você não tem a intenção de subir a passos mais acelerados – é como a pista da esquerda que deve ser liberada para os carros mais velozes –, mas as pessoas não piscam farol, fazem cara feia ou dão cotoveladas, segundo relatos de um amigo que está em Paris. Aprende também que tem uns espertinhos que esperam você sair da catraca para entrar sem pagar; que tem doutores em roubar carteira, abrem a sua mochila e você nem vê o rastro; e que seu dia pode ficar muito melhor no troca-troca de linha. São os músicos do metrô que enchem a nossa vida de alegria. Se gostou, dá um trocado.
E é assim que as pessoas interagem sem interagir. Com o esbarrar de corpos, com um pedido de “perdón”, com a troca de olhares, com poucas palavras. Quase ninguém conversa. Só um turista perdido que pede informação para quem está ao lado, quando se está entre amigos ou quando o silêncio parece insuportável e dá vontade de falar. Mas o bate-papo geralmente é limitado, como aquele que temos em elevador. Só que aqui, ainda não se fala de calor.
O metrô é muito mais do que um meio que nos transporta e nos conecta a outros pontos da cidade. Pode ser um espaço de leitura, de meditação, de cochilo, de reflexão, de pensar, de paquerar, de finalmente sentar, de esticar as pernas quando não tem assento, de estudar, de escutar música, de brincar. Raramente é um lugar onde se faz amizade. Tampouco de observação. Quando não estão concentradas nos seus pertences, as pessoas voam longe, não se prendem a nada que esteja ali, agora.
Quase todos ficam de cabeça posta para baixo. Portam utensílios como jornal, celular, computador, livro, Ipod – alguma distração para sentir que o tempo não foi perdido. Ninguém olha para o lado. Aproveitam os minutos de deslocamento para jogar paciência no BlackBerry e sudoko, comer mexerica, ler grandes obras como a Divina comédia e escutar Michael Jackson (em um dos poucos momentos compartilhados, o garoto estava com o fone de ouvido no máximo. Acho que todos ficamos com vontade de deslizar os pés como o mestre do pop, mas nos contivemos).
É assim que as pessoas geralmente se comportam no metrô. Todos se contêm. Os jovens, os adultos, os trabalhadores, os pedintes, os nativos, os estrangeiros, os de salto alto, os de tênis, os de moleton, os de terno e gravata, as senhoras, as de mini-saia, os de cabelo em pé. Às vezes um bêbado ou um louco interrompem o silêncio dizendo coisas que ninguém entende. Ninguém se move, só os olhos. Esses sim conferem se a situação representa algum risco ou se podem dar continuidade à leitura da revista e ficar por dentro do mundo das celebridades.
Querendo saber de outros mundos, poucos vivem o mundo que é o metrô. Um retrato da diversidade que não emite som. Só o som gravado de uma dupla de homem e mulher que anuncia a chegada de uma estação. “Proxima estación: Sol. Corresponecia con: líneas 1, 2 y 3”. Foi nessa estação que a moça de óculos escuros desceu. Ela parecia ter total domínio do que estava fazendo e ser a que mais tinha consciência de tudo que se passava ali. As crianças ainda brigavam com seus polegares quando a mulher apertou o botão para abrir a porta. Saiu, junto com mais uma multidão de gente desconhecida que não quer se conhecer. Ela conhecia.
7 comentários:
O metrô tem essa mistura interessante, às vezes, é individualista.
BH precisava de um metrô de verdade... Se alguma autoridade, leitora do blog, estiver por aí, favor melhorar o transporte público mineiro.
KKk, rachei o bico quando vc falo do loko. Voce descreveu exatamente o que é o metro, o mesmo se dá em Paris. Ainda bem q com o que eu passo em uma cidade, desenvolvo o meu trabalho, O metro de Paris é tão eficiente que se voce nao anda pela cidade se torna um coelho q sai da toca so pra tirar fotos. Metro por metro nada como o de Dubai, 10 meters over the blue sky, brand new, with a look to the desert, the city and the ocean.
Concordo com você, Zoi di gato. BH realmente precisa de um metrô. A vida fica muito mais fácil...podemos ir de norte a sul da cidade sem reclamar da demora do ônibus, do trânsito...Espero que algum dia a proposta saia do papel.
Ih hermano, já vi vários loucos. Outro dia sentou um do meu lado. Ficava rindo sozinho. De vez enquando soltava uns burburinhos indecifráveis. Foi engraçado. Uns riram juntos, outros fingiram que nada estava acontecendo...
...Aqui em Madri tem vários coelhos (adorei isso)...rsrs...Gente que passa grande parte do dia no metrô...Eu passo mais de uma hora...
...Daqui a pouco o metrô de Dubai vai levar as pessoas para o céu...rs
Suas palavras me fizeram estar em Madrid por alguns minutos. Sensacional! Amo vc!
Beijos
No metrô de São Paulo é a mesma coisa. Acho que em todas as cidades grandes a história se repete. Passo mais de uma hora e meia por dia entre vagões e estações e, por isso mesmo desenvolvi uma habilidade incrível de andar pela multidão sem tirar os olhos do livro, sem pisar nem esbarrar nas pessoas.
O blog está ótimo! bjos
Ei Guillermo, quanto tempo!!! Que bom ver você por aqui. Como estão as coisas? Andei no metrô de SP uma vez. E é bem parecido com o que relatei daqui. Como você mesmo disse, a história se repete em qualquer lugar do mundo. Ainda não desenvolvi essa habilidade. Mesmo sem ter um livro em mãos, vivo pedindo perdón por ter esbarrado em alguém. rsrs...Às vezes aproveito para ler o jornal, mas ainda prefiro ficar observando o "mundo subterrâneo".
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